Antonio Branco Lefevre

ANTONIO BRANCO LEFÈVRE

Fundador da Neuropediatria no Brasil

Não tanto pelo Dia dos Pais neste domingo e mais pelo próximo sábado, quando fará 30 anos da morte do meu pai em 20 de agosto de 1981, resolvi, com meus irmãos, que estava na hora de trazê-lo à vida de novo, ainda que virtualmente – e a tecnologia nos permite hoje fazer isso pela web. E por que justamente ele? Não apenas por ter sido nosso e ter sido um super pai (afinal muitos o são), mas porque Antonio Branco Lefèvre foi um personagem marcante na vida científica e intelectual brasileira do século passado, anda um tanto esquecido, mas merece ser lembrado.

Tanto que, um ano após o seu falecimento, o Estadão publicou um artigo meu sobre ele, de página inteira, sob o título “Antonio Branco Lefèvre, o médico, o homem”, com esta introdução: “O médico brasileiro que fundou uma especialidade, a Neuropediatria, foi também o intelectual brilhante da “Geração Clima”, o líder respeitado da classe médica, o humanista lúcido e radical. O perfil deste homem completo que foi Antonio Branco Lefèvre, traçado por seu filho”. A reprodução deste artigo está no site que acabamos de inaugurar sobre a vida e a obra dele, no endereço www.antoniobrancolefevre.com.br

Não vou contar tudo aqui, porque está no site. Limito-me a lembrar que, como médico e cientista, Antonio Frederico Branco Lefèvre foi quem criou, em escala mundial, a padronização do exame neurológico do recém-nascido e o exame evolutivo da criança. Foi o pioneiro desta nova especialidade, a Neurologia Infantil, da qual foi o primeiro professor titular em universidades brasileiras, ao assumir a cátedra inaugurada para ele na Faculdade de Medicina da USP em 1977. Lefèvre dedicou-se com especial afinco ao combate a uma doença neurológica que afligia o mundo até a década de 60, a poliomielite.

Graças a seu prestígio internacional junto a cientistas como Salk e Sabin, foi ele o introdutor dessas vacinas no Brasil, o que, por si só, já bastaria para fazer dele um herói da nossa saúde pública, pela erradicação total desta doença em poucos anos em nosso País. Mas não foi apenas pela grandeza de sua carreira científica que Lefèvre era reconhecido como um sábio.

O “intelectual brilhante da “Geração Clima” foi aquele que, junto com Antonio Candido, Lourival Gomes Machado, Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Sales Gomes, Ruy Coelho, entre outros, fundou a revista Clima, porta-voz da inteligentzia brasileira nos anos 40 e 50, dirigida pelo cativante Alfredo Mesquita, o fundador da Escola de Arte Dramática de São Paulo, em cuja simpática Livraria Jaraguá, na Rua Marconi, reunia-se a redação e outros amigos que Antonio Candido gosta de chamar de “Geração Clima”.

Entre os outros intelectuais de renome que colaboraram para a revista Clima estavam Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Almeida Salles, Alberto Soares de Almeida, Anatol Rosenfeld, Gilda Moraes Rocha (depois Mello e Souza, por casamento com Antonio Candido), Lauro Escorel, Afrânio Zuccolotto, Marcello Damy de Souza Santos, Oswaldo Goeldi e Clóvis Graciano. Recentemente, em sua fala na Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty (julho 2011) o mestre Antonio Candido relembrou ser ele o último sobrevivente dos “chato-boys”, que era como Oswald de Andrade se referia aos sempre críticos redatores da Clima que, embora todos amigos, nem sempre poupavam as suas irreverências e ousadias “antropofágicas”.

Cientista, autoridade cultural, “chato-boy”, Lefèvre foi também um militante político ativo. Coerente em suas idéias, por elas foi preso pela famigerada OBAN, em 1975, em plena ditadura brasileira, por ter atendido em seu consultório, sem cobrar, a um militante que o havia “entregue”, sob tortura. Era verdade… Nosso pai atendia mesmo, de graça, a muitos militantes e personalidades de esquerda. Até Luis Carlos Prestes e Monteiro Lobato foram seus clientes e se ele tivesse contado isso talvez não tivesse sido libertado no mesmo dia deste local sinistro. Ainda nos assusta lembrar que, um mês depois, no mesmo local, era “suicidado” um muito querido amigo meu, Vladimir Herzog.

“Não há dúvida de que, em Lefèvre, tudo confirmava um traçado de rara integridade”, declarou Antonio Candido, seu amigo de sempre e uma espécie de segundo pai para mim. De fato, Antonio Branco Lefèvre foi um humanista, no sentido de um homem que acreditava nos homens e, dedicado a seus colegas, à sua família, a seu País, de tudo fazia e sem nenhum interesse pessoal, para ajudar a quantos podia, como médico, como escritor, como difusor de cultura, como participante ativo da vida política de sua época. Alheio à vaidade e competitividade que tanto contaminam a universidade pública, distribuiu conhecimento científico a quantos alunos e colegas o rodearam e formou uma verdadeira “escola”, a da Neuropediatria brasileira, que tudo deve a ele.

Justamente por esse último detalhe, o desta “dívida” científica, é que sentimos a necessidade de “ressuscitá-lo”. Sim, porque muita gente tem o confortável hábito de se esquecer de velhas dívidas, incorporando o patrimônio material, intelectual, daqueles que lhes deram tudo e assumindo esta “herança bendita” como se tudo tivesse começado com eles próprios. Vimos isso acontecer na política, com a incorporação da herança bendita dos anos FHC pelo sucessor, como se dela fosse criador, e ainda a chamando de maldita. Com nosso pai vimos isso acontecer na área médica, com a pura e simples pilhagem de sua obra científica por alguns poucos sucessores que lhe devem tudo… a ponto de obrigar os seus três e sempre fiéis filhos a recorrerem à Justiça para verem reconhecidas como dele as obras que publicou e foram republicadas como se de outros fossem, sem sequer lhe darem os créditos.

Felizmente foram poucos aqueles que “incorporaram” as dívidas com nosso pai, mas infelizmente eficazes quase a ponto de apagarem a sua memória científica e cultural nesses 30 anos, para espanto e revolta dos discípulos e colegas que lhe permaneceram fiéis. Para trazer Lefèvre novamente à vida, ainda que virtual, é que nós, os três filhos, decidimos criar este site de memória. Se nosso pai não está no céu, pois não gostava de padres nem de igreja, pelo menos ficará no ciberespaço, para sempre, como uma referência para o mundo da ciência, da cultura e da política em nosso País. Para isso também serve (e muito) a web.”

Silvio Lefèvre – Diretor da Livraria Resposta – silvio@livrariaresposta.com.br